25/12/2010

Amadeo no CAMJAP

200 obras (quadros e esboços inéditos) em linha: 

Liga Naval de Lisboa



Em Portugal existe uma única opinião sobre Arte  e abrange uma tão colossal maioria que receio que ela impere por esmagamento. Essa opinião é a do Ex.mo sr. dr. José de Figueiredo (gago do governo).

Não é porque este sr. tenha opinião nem que este sr. seja da igualha do resto de Portugal mas o resto de Portugal e este senhor em materia de opinião são da mesma igualha. Um dia um senhor grisalho disse-me em meia-hora os seus conhecimentos sobre Arte. Quando acabou a meia-hora descobri que os conhecimentos do senhor grisalho sobre Arte eram os mesmos que o Ex.mo senhor Dr. José de Figueiredo usava para me pedir um tostão. Pensa o leitor que faço a anedota? Antes fosse. Mas a verdade é que eu estou muito triste com esta fúria de incompetencia com que Portugal participa na Guerra Europeia. E que horror, caros compatriotas, deduzir experimentalmente que de todas as nossas Conquistas e Descobertas apenas tenha sobrevivido a Imbecilidade. E daqui a indiferença espartilhada da família portuguesa a convalescer à beira-mar. Algumas das raras energias mal comportadas que ainda assomam à tona d'água pertencem alucinadamente a seculos que já não existem e quando Um Português, genialmente do século XX, desce da Europa, condoído da pátria entrevada, para lhe dar o Parto da sua Inteligência, a indiferença espartilhada da família portuguesa ainda não deslaça as mãos de cima da barriga. Pois, senhores, a Exposição de Amadeo de Souza-Cardoso na Liga Naval de Lisboa é o documento conciso da Raça Portuguesa no Seculo XX.

Rectifico: — O Ex.mo Sr. Dr. José de Figueiredo veio substituir no original um Ex.mo Sr. que tem por habito pedir-me tostões.

A Raça Portuguesa não precisa de reabilitar-se, como pretendem pensar os tradicionalistas desprevenidos; precisa é de nascer pró século em que vive a Terra. A Descoberta do Caminho Marítimo prá Índia já não nos pertence porque não participamos deste feito fisicamente e mais do que a Portugal este feito pertence ao século XV.

Nós, os futuristas, não sabemos Historia só conhecemos da Vida que passa por Nós. Eles têm a Cultura, Nós temos a Experiência — e não trocamos!

Mais do que isto ainda Amadeo de Souza-Cardoso pertence à Guarda Avançada nA MAIOR DAS LUTAS que é o Pensamento Universal.

Amadeo de Souza-Cardoso é a primeira Descoberta de Portugal na Europa no seculo XX. O limite da Descoberta é infinito porque o sentido da Descoberta muda de substância e cresce em interesse—por isso que a Descoberta do Caminho Marítimo prá Índia é menos importante que a Exposição de Amadeo de Souza-Cardoso na Liga Naval de Lisboa.

Felizmente pra ti, leitor, que eu não sou critico, razão porque te não chateio com elucidações da Arte de que estás tão longinquamente desprevenido; mas amanhã, quando já souberes que o valor de Amadeo de Souza-Cardoso é o que eu te digo aqui, terás remorsos de o não teres sabido ontem. Portanto, começa já hoje, vai à Exposição na Liga Naval de Lisboa, tapa os ouvidos, deixa correr os olhos e diz lá que a Vida não é assim?

Não esperes, porém, que os quadros venham ter contigo, não! Eles têm um prego atrás a prendê-los. Tu é que irás ter com eles. Isto leva 30 dias, 2 meses, 1 ano mas, se tem prazo, vale a pena seres persistente porque depois saberás também onde está a Felicidade.


+José de ALMADA-NEGREIROS+
POETA FUTURISTA

Lisboa 12 de Dez. de 1916.

| Espelho e imagem irradiante |


  Ontem falei no espelho, o que me sugere
  hoje a ideia de falar na imagem.
  Mas não é a imagem reflectida que
  eu quero acentuar, é a imagem
  irradiante, aquela que poderei
  comparar ao disco do sol que ilumina e aquece.
  A imagem do espelho
  é aparente, exterior nunca
  por ela pude decifrar um
  só traço daquilo
  a que eu chamo a minha
  alma oculta.
  Ao passo que a imagem
  irradiante é a que como
  o sol se infunde
  para nos iluminar a tal
  alma oculta.

Amadeo de Souza-Cardoso, texto n. dat. ASC-BA 
in Helena de Freitas (coord.), Catálogo Raisonné: Amadeo de Souza-Cardoso - Pintura, Lisboa: Assírio e Alvim, 2008, p. 37.

Entrada

 Título desconhecido (Entrada), c. 1917